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Foto do escritorEcobé

Cidades modernas: estufas impermeáveis

Ao sair de casa em dias de chuva, é comum nos depararmos com escoamentos torrenciais junto ao meio-fio, a formação de pequenas cachoeiras em escadarias e ruas mais declivosas, e tradicionais alagamentos em locais nem sempre tão rebaixados, provenientes de entupimentos de bueiros e desnivelamentos asfálticos.



Nos últimos anos, com cada vez mais frequência, poucos dias de chuvas relativamente fortes já são suficientes para causar cheias e tornar caóticos os grandes centros urbanos, atingindo residências em cotas menos elevadas e interrompendo diversos serviços básicos que afetam de sobremaneira a população.


Você já se perguntou por que isso ocorre?

Os moradores mais antigos talvez se recordem que nem sempre foi assim. Algumas décadas atrás, as cidades brasileiras eram menos urbanizadas, as ruas eram de chão batido, blocos ou paralelepípedos, os muros e calçadas eram feitas com materiais porosos que permitiam o crescimento de plantas espontâneas e trepadeiras, e as residências contavam com quintais verdes, repletos de árvores e gramados.

Alguns locais ainda contavam com banhados naturais, ecossistemas riquíssimos que além de preservar a biodiversidade ainda funcionavam como receptores de grandes volumes de chuvas, que vez ou outra costumavam acontecer. Naquela época, sempre que chovia a água tinha muitas oportunidades de infiltrar no solo e diminuir de volume antes de seguir seu caminho em direção aos rios. Ou seja, não eram cidades impermeáveis.


Com a urbanização, a vegetação e o relevo passaram a ser vistos como inimigos naturais do “progresso”. As cidades por fim conheceram o concreto, o asfalto e a prática da terraplanagem. A primeira etapa de uma construção consistia em nivelar o terreno, drenar o que fosse necessário, retirar toda a vegetação e a camada de solo mais fértil e porosa (a superficial), para então introduzir o concreto-armado. Neste modelo de urbanismo, banhados deram espaço a arranha-céus, áreas verdes inteiras foram substituídas por shoppings e residenciais. As raízes e galhos das árvores começaram a ser um problema, já que no simples fato de existir e na ingrata tarefa de reciclar ar puro e melhorar o clima, rompiam calçadas e atingiam, a fiação elétrica.



Os novos e modernos automóveis precisavam de mais espaço para locomoção e estacionamento, e estes espaços não incluíam solo, vegetação ou mesmo paralelepípedos, pois no fim das contas esses elementos eram empecilhos à velocidade, e ninguém queria seu possante sempre coberto de folhas, insetos e poeira. Concomitantemente, como agravante ao já preocupante cenário, a população menos favorecida, antes expulsa do meio rural e agora dos grandes centros, foi se estabelecendo nas áreas periféricas, como margens de rios e locais de alta declividade, gerando, além do gritante prejuízo ambiental, uma situação de vulnerabilidade social e sobretudo racial.


Com essa sequência de acontecimentos, as cidades foram perdendo uma característica muito importante para o funcionamento natural e inofensivo do ciclo da água: a permeabilidade. A erradicação desta propriedade em tudo que intercepta as gotas de chuva tornou as cidades mais cinzas (tanto no espectro cromático quanto pela poluição), compactadas, menos atrativas à fauna e visivelmente mais quentes, o que contribui ainda mais para desregular este ciclo e tornar os desastres climáticos mais frequentes...


E agora, que já estamos inseridos nessa realidade, que alternativa temos?

Para restaurar a permeabilidade natural de nossas cidades, existem diversas modificações e resoluções que poderiam ser tomadas tanto pelo poder público quanto pelos cidadãos comuns, e mesmo pelas grandes construtoras. Há anos já estão sendo publicados estudos sobre a pavimentação permeável (ou ecopavimento), que inclui vários tipos de asfalto, concreto e blocos fabricados com materiais porosos, criados para substituir o tradicional uso de materiais maciços em construções, calçadas e estradas. Alguns destes materiais permitem inclusive o crescimento de espécies gramíneas entre os vãos, o que contribui para uma absorção mais rápida e profunda através de suas raízes.


Seguindo na linha da importância da vegetação, seria ideal que todo município possuísse um Plano diretor de arborização, que não restringisse as árvores a pequenas áreas verdes isoladas em praças ou parques, e sim em todas as ruas, com consulta a profissionais da área ambiental que designem espécies-chave de acordo com porte e desenvoltura para diferentes níveis de urbanização.


A capacitação correta dos responsáveis pelas podas de exemplares junto a redes elétricas também seria essencial para que não sigam ocorrendo “arvorecídios”, como costumamos encontrar durante o inverno. Políticas públicas de incentivo ao plantio de árvores nas calçadas e nos quintais com redução nas taxas de IPTU, por exemplo, seriam ótimas para que cada residente tomasse conta do seu pedacinho permeável de cidade.


Ao fim, ainda podemos citar a preservação dos banhados e demais Áreas de Preservação Permanente (APP), a criação de novas áreas verdes, o fomento à permacultura e a organização civil como um todo, na batalha por instituir novas formas de se fazer engenharia e arquitetura, que respeitem os relevos e características naturais de cada local, utilizando a natureza como aliada, e não como obstáculo.


Por fim, só podemos dizer: cidades inteligentes são cidades permeáveis!

REFERÊNCIAS:

Código Florestal (Lei Federal 12.651/2012), dispõe sobre APP e dá outras resoluções – disponível em: L12651 (planalto.gov.br)

Noções básicas de permacultura – disponível em: Permacultura | Permaculture (ufsc.br).

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